domingo, 20 de julho de 2008

G.C.P.D. Reports (Partes I e II)

Lembro que, quando criei o blog, na página de inauguração, eu citava que um dia escreveria aqui sobre Gotham City, a cidade imaginária onde personagens como Batman, Robin, Catwoman, entre outros, perambulam à noite. Bom, como combinado, dessa vez eu não iria postar coisas sobre cultura inutil, mas já faz um mês praticamente que eu não posto nada de novo, então resolvi reviver das cinzas essa pequena resenha que eu escrevi à um ou dois anos atrás, que conta a história de um capanga do Charada. A obra nunca foi concluida, na verdade, pois era para ser uma história de 10 partes, e eu só escrevi até a Parte VII. Espero que gostem. Se sim, eu postarei o restante da história na próxima atualização.


P.S.: G.C.P.D. = Gotham City Police Departament.
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PARTE I

O rádio-despertador liga as 20:30 anunciando mais uma noite de trabalho. Enquanto me levando, vou ouvindo o interlocutor avisando os pontos de trafego em Gotham e o mercado de valores. Lavo meu rosto e, enquanto tocava alguma música antiga do Rolling Stones, olho minha face no espelho, a barba mal feita, as olheiras, os cabelos grisalhos cada vez mais aparentes. Isso costumava me deixar deprimido, mas naquela noite eu não estava. "Hoje será o meu grande dia.", penso.
Troco de roupa rapidamente, pego minha mala e meu chapéu e, quase saindo de casa sou surpreendido pela minha esposa, com os cabelos armados e também com olheiras, carregando no corpo as marcas das noites sem dormir e segurando o bebê, que não parava de chorar. Ela reclama mais uma vez sobre meu emprego e o horário dele, eu dou a mesma explicação de sempre, aquele era apenas um emprego temporário até em arranjar algum outro.
Saio do apartamento e desço as escadas, nós moramos num prédio antigo, com 5 andares e um único elevador, que está sempre quebrado. Ao sair do prédio para a rua mal iluminada, um mendigo que mora ao lado do portão fica irritado por eu estar ignorando ele e nunca lhe dar nenhum trocado, antigamente eu costumava a ser surpreendido com isso, mas hoje em dia já é parte da rotina.
Ando mais alguns quarteirões e pego o ônibus (lotado, como sempre) para o centro da cidade. Após meia hora desço numa rua em frente às Torres Wayne, aquela era outra Gotham, uma cidade esperançosa, onde senhores e madames caminham com ternos e gravatas, voltando para suas casas depois de um dia de trabalho, ali as ruas eram seguras e limpas, com policiais em quase todas as partes. De lá são mais alguns quarteirões até uma outra rua, mal iluminada até mesmo durante o dia devido a altura dos prédios comerciais e arranha-céus que o certavam e tinham, em sua maioria, suas entradas de costas para aquela rua. "Um borrão no mapa da cidade", pensava quase sempre que entrava nela. Ali, de costas para as enormes construções havia uma rua como aquela ainda insistia em sobreviver, como um vírus que se recusa a deixar o corpo. Lá se encontravam vários bares e boates, o que fez com que a rua se tornasse a moradia para uma porção de bêbados e prostitutas, que já eram encontrados em grande abundância mesmo naquele horário. Não é incomum eu ser confundido com algum dos "homens-de-família", bem-afortunados e donos de impérios capitalistas, em busca de um pouco de diversão. Entre dois bares, existe uma pequena viela, com pouco mais de um metro de distância entre eles, por onde entro. Ali a escuridão é praticamente total, e os boatos sobre o que acontece lá mantêm os bêbados e mendigos longe.
Dali um pouco abro a mochila, troco de roupa e jogo a mochila atrás de uma lata de lixo ao lado. Os movimentos são tão automáticos que a escuridão quase total em nada atrapalha. Durante o processo, penso por um momento em minha esposa e no nosso filho, que em breve completa 1 ano. Eu os amo, embora minta para ela toda noite dizendo que trabalho como porteiro. É melhor assim. Se ela soubesse o que eu realmente faço, a vida que levo e que havia jurado ter deixado para trás, ela não iria compreender o quão grandiosos eram os nossos objetivos. O meu objetivo.
No fim do estreito corredor havia uma porta de ferro, aparentemente a saída de emergência de algum prédio, com um cadeado e correntes. Após destrancá-la e atravessá-la, entro no salão enorme, que outrora foi o armazém de alguma fábrica.
A reunião não havia começado, embora já houvesse três colegas lá dentro, todos com o mesmo uniforme que eu, em pé ao lado de uma parede. Um fumava, enquanto os outros dois jogavam conversa fora. "Ninguém chegará atrasado hoje", penso. Qualquer erro no plano, por menor que seja, qualquer desvio, poderia resultar num desastre.
Tudo fora planejado com um mês de antecedência. Todos os dados foram registrados, analisados e reavaliados, para ter certeza de que nada estaria fora do lugar. Estava nervoso, aquilo era algo grande, e eu fazia parte daquilo. Mas depois penso na recompensa que tudo aquilo traria, e fico mais aliviado.

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PARTE II

Fico no meu canto, meditando um pouco para passar o nervosismo. Dali uns dois minutos chega o último membro do grupo. Agora faltavam apenas alguns minutos para o chefe chegar e, assim, a operação começar. As 22:30 em ponto ouvisse uma voz.
"O que é que recompensa aqueles que o obedecem, chateia os que o precedem e puni os que o avançam?”.
O mais difícil do trabalho era isso. Aqueles os malditos enigmas. Eu sabia que, enquanto estivesse na segurança de minha mente, não haveria problemas, pois um pensamento desses era o suficiente para ser expulso da operação. Aquela série de charadas e enigmas que ele insistia em por em cada frase e observação e que não podiam ser respondidas nunca, pois isso só o deixaria irritado, e irritar um chefe não era uma boa idéia. Aceitei-o como meu chefe, pois, apesar de tudo, não possuía recursos para realizar qualquer coisa maior que pequenos furtos, e também era preciso admitir o seu brilhantismo tático. Ele planejara, quase que sozinho, tudo o que faríamos naquela noite, pensando em cada possibilidade, verificando todos os detalhes, armando e articulando cada idéia. Nós éramos apenas capangas, tínhamos de ser espertos apenas o suficiente para recolher dados e realizar tarefas mandadas. Por isso não era bom, nem mesmo saudável, ser muito esperto naquele grupo. E por isso nunca era uma boa idéia mostrar que se conhecia alguma das suas charadas ridículas e antiquadas, ele encarava isso como um ato de rebeldia, uma tentativa de superar o seu intelecto supostamente superior.
"A pontualidade" -respondeu, quando decidiu fazer sua entrada saindo de uma parte mais escura do salão, no topo de uma passarela. Desceu uma escada e abriu os braços, como se quisesse nos cumprimentar por chegar cedo - "Bom ver que todos estão aqui. Vamos revisar mais uma vez o nosso plano e então partimos”.
Foi até uma mesa empoeirada num canto do salão, tirou da gaveta um mapa de Gotham e algumas plantas do prédio e começou. Nem precisei prestar muita atenção, pois já ouvira aquilo umas cinco vezes aproximadamente, além de ter ficado repassando-o em minha mente os meus passos por inúmeras vezes. Pude sentir no olhar dos demais que também não precisavam daquilo, mas o melhor era ficar calado e ouvir. Quinze minutos depois ele largou o mapa: "Entenderam? Então vamos”.
Nos deslocamos para dois carros, seria eu e mais três capangas em uma vã, sendo que eu ficaria na caçamba com outros dois. O chefe e Norman iriam com outro carro. Norman era só um capanga, como nós, porém de todos era o preferido do chefe. Ele era obcecado pelo chefe, prestava atenção em tudo que ele dizia com a mesma atenção que um cão ouve as ordens de seu dono, e sempre arregalava os olhos com as charadas dele, como que surpreendido com sua genialidade. Ele também era um completo idiota, não pensava nem tirava conclusões de nada, e isso agradava ainda mais o chefe, pois sabia que Norman jamais questionaria uma ordem sua, por mais incoerente que ela fosse.
O plano era relativamente fácil. Dirigiríamos até o Banco de Gotham, os dispositivos de segurança seriam desligados por John, o hacker do grupo (o mais inteligente de nós, era também o mais necessário para o plano e o mais indesejado pelo chefe). Seria entrar, arrombar o cofre, tirar o dinheiro e fugir antes que a polícia chegasse. "Genial de tão simples”, penso.
No caminho, eu e John começamos a conversar. Raphael, o outro membro que dividia espaço na caçamba conosco, era mudo, não se comunicava com ninguém e quando falávamos com ele, não fazia nenhum gesto de resposta, como se também fosse surdo. Mas era incrivelmente forte, capaz de levantar um carro quase sem dificuldades, conforme demonstrou no dia em que se apresentou para o "emprego" e o chefe pediu para poder assistir a façanha.
John começou a falar, nitidamente preocupado:
- Existe 34% de chance dele ou de algum dos seus amiguinhos justiceiros aparecerem, aproximadamente. Mas acho que as chances disso aumentam um pouco, levando em conta quem é o nosso chefe.
- Se ele aparecer, a gente tá ferrado.
- Você já o viu alguma vez? - perguntou, inclinando o corpo para frente e ajeitando os óculos, como se estivesse muito interessado em saber.
- Uma vez, já faz alguns anos. Estava voltando do bar com uns amigos, quando vimos uns caras assaltando uma loja. A gente parou pra assistir, ver no que ia dar. Nisso um dos caras atirou na cabeça do dono da loja com um rifle, os miolos dele se espalharam por toda a rua.
- Deve ter sido nojento.
- E foi, mas eu quase não me importei, fiquei fascinado foi com o que aconteceu depois. O cara apareceu num daqueles carros cafonas dele e atropelou um dos assaltantes. Depois desceu e atirou uma daquelas "bat-coisas" no outro que tentava fugir. A cena toda durou pouco mais de um minuto, ele algemou os dois e foi embora. Antes de ir, ele olhou diretamente pra mim, por que percebeu que eu ainda tava ali olhando pra ele. Durou uma fração de segundo. Nem mesmo eu acreditei quando vi, sabe, eu nunca acreditei que...
- É, quase ninguém acredita mesmo. - disse John, como se já soubesse o que eu ia dizer - até a hora que a gente vê. Mas os dados estão aí. Eu tenho um primo que trabalhava na polícia, ele me disse que não era incomum...
E nisso ele começou a contar a história do seu primo, e eu fingia que escutava. Minha mente estava totalmente voltada no que iríamos fazer. "E se ele aparecesse?". Eu já tinha até mesmo esquecido da história no bar, se não fosse John ter comentado do assunto. Agora essa idéia me assombrava, o chefe não havia comentado nada a respeito dele, mas tenho quase certeza de que ele já havia pensado nisso. Era melhor eu esquecer disso, com certeza havia um plano para isso.
A vã parou de andar. Olhei no relógio, eram 23:30, conforme o combinado. Era agora.
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